Casas vazias e casas devolutas: afinal, o que está em causa?

Casas vazias e casas devolutas: afinal, o que está em causa?

Aumentar a oferta de casas para arrendar no país é um dos objetivos inscritos no programa “Mais Habitação” apresentado pelo Governo. Para isso, o Executivo de António Costa quer impor o arrendamento obrigatório de casas devolutas – na prática, os proprietários destes imóveis podem ter de ser obrigados a arrendar a casa ao Estado, que depois a vai subarrendar a um preço de renda acessível. Há várias exceções na lei, mas o tema continua a gerar grande polémica. Afinal, o que está em causa?

O que diz a proposta do Governo?

Arrendamento obrigatório de casas devolutas

No documento “Mais Habitação”, em consulta pública até 10 de março, o Governo diz que “o Estado pode mobilizar património devoluto, por razões de interesse público, através do arrendamento por entidades públicas, com o respetivo pagamento de renda ao senhorio”.

A que casas não se aplica o arrendamento coercivo?

A medida não se aplica a:

  • casas de férias;
  • casas de emigrantes ou de pessoas deslocadas por razoes de saúde e razões profissionais ou formativas;
  • casas cujos proprietários estão num equipamento social como um lar ou estão a prestar cuidados permanentes como cuidadores informais.
 

Como vai funcionar?

O arrendamento forçado, “termo já hoje existente na lei”, tal como explica o Governo, “pressupõe a existência de um prévio dever legal de dar uso ao imóvel. Isto é: os deveres dos proprietários são, por si, restrições ao direito de propriedade. Esse dever está consagrado na lei desde 2014 (vg. artigo 14.o, n.o2, alínea a) da Lei n.o 31/2014, de 30 de maio)”.

Na proposta formulada, o primeiro passo é, nos casos em que se identifique que determinada casa está devoluta (e não cabendo nas exceções referidas) “e sempre que exista procura para um imóvel com aquelas características, propor-se, em primeiro lugar, que o proprietário possa celebrar livremente um contrato de arrendamento do imóvel com o IHRU, estabelecendo-se livremente as condições de tal contrato”.

Proprietários vão ter prazo para dar uso ao imóvel

Tal como explica a proposta, e caso o proprietário não queira arrendar ao Estado, será dado um prazo formal para dar uso ao imóvel – que ainda não foi definido. Só quando este prazo terminar é que o Estado pode arrendar o imóvel de forma obrigatória, considerando o interesse público que concretamente seja determinado – “quer por força do incumprimento do dever de utilização do imóvel pelo seu proprietário, quer pela função social da habitação e dever de utilização, princípios também consagrados nos artigos 4º e 5ª da Lei de Bases da Habitação”, segundo o Governo.

Afinal, o que é uma casa devoluta? E vazia?

Segundo a Lei de Bases da Habitação (Lei n.º 83/2019), a habitação que se encontre injustificada e continuadamente, durante o prazo definido na lei, sem uso habitacional efetivo, por motivo imputável ao proprietário, é considerada devoluta.

Não são consideradas devolutas “as segundas habitações, as habitações de emigrantes e as habitações de pessoas deslocadas por razões profissionais ou de saúde”, e são motivos justificados para o não uso efetivo da habitação, nomeadamente, “a realização de obras devidamente autorizadas ou comunicadas, durante os prazos para elas definidos, ou a pendência de ações judiciais que impeçam esse uso”.

Recorde-se ainda que a classificação de imóvel devoluto aparece plasmado no Decreto-Lei n.º 67/2019, de 21 de maio – que procede ao agravamento do IMI sobre este tipo de edificado -  e diz que um prédio urbano ou a fração autónoma que durante um ano se encontre desocupado é classificado como devoluto: 

  • Perante a inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações e de fornecimento de água, gás e eletricidade;
  • Se se verificar a inexistência de faturação relativa a consumos de água, gás, eletricidade e telecomunicações;
  • Perante a existência cumulativa de consumos baixos de água e eletricidade, considerando-se como tal os consumos cuja faturação relativa não exceda, em cada ano, consumos superiores a 7 m3, para a água, e de 35 kWh, para a eletricidade;
  • Além disso, diz a lei, a existência de consumos superiores aos previstos, “não afasta a possibilidade de o imóvel ser classificado como devoluto, designadamente através de vistoria”.
 

Não se considera devoluto o prédio urbano ou fração autónoma:

  • Destinado a habitação por curtos períodos em praias, campo, termas e quaisquer outros lugares de vilegiatura, para arrendamento temporário ou para uso próprio;
  • Durante o período em que decorrem obras de reabilitação, desde que certificadas pelos municípios;
  • Cuja conclusão de construção ou emissão de licença de utilização ocorreram há menos de um ano;
  • d) Adquirido para revenda por pessoas singulares ou coletivas, nas mesmas condições do artigo 7.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, bem como adquirido pelas entidades e nas condições referidas no artigo 8.º do mesmo Código, desde que, em qualquer dos casos, tenham beneficiado ou venham a beneficiar da isenção do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e durante o período de três anos a contar da data da aquisição;
  • Que seja a residência em território nacional de emigrante português, tal como definido no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de novembro, considerando-se como tal a sua residência fiscal, na falta de outra indicação;
  • Que seja a residência em território nacional de cidadão português que desempenhe no estrangeiro funções ou comissões de caráter público ao serviço do Estado Português, de organizações internacionais, ou funções de reconhecido interesse público, bem como dos seus respetivos acompanhantes autorizados;
  • Integrado em empreendimento turístico ou inscrito como estabelecimento de alojamento local;
  • Cujos consumos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º não sejam atingidos devido a impedimento objetivo de utilização do imóvel, designadamente em virtude de disputa judicial quanto à respetiva posse, devido à verificação de qualquer dos fundamentos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º do Código Civil ou por motivos de formação, saúde, prestação de cuidados permanentes enquanto cuidador informal ou permanência em equipamento social, desde que devidamente comprovados.

“Uma casa vazia é uma casa devoluta”, diz ministra

A definição de casa devoluta e casa vazia tem levantado, por isso, várias questões, mas a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, veio esclarecer, em entrevista à SIC Notícias, que “uma casa vazia é uma casa devoluta”, mesmo que esteja em bom estado de conservação. Portanto, se uma estiver casa fechada há um ou dois anos no centro de Lisboa é considerada uma casa devoluta? A ministra garante que sim.

"Nos termos legais é considerada devoluta, tem é um procedimento para ser identificada como tal. Já hoje existe na lei esse procedimento. É a câmara que faz essa identificação. A não ser que seja uma casa de férias, essa situação também está prevista, tem um regime e não entra nesse conceito de devoluto, uma casa vazia é uma casa devoluta, é uma casa que deve ser colocada ao serviço do uso para o qual foi criada", salientou a responsável, garantindo, contudo, que o “Estado não vai entrar pela casa das pessoas e vai expropriar".

Arrendamento coercivo é ou não inconstitucional?

programa “Mais Habitação” caiu como uma “bomba” no setor imobiliário, e desde então que houve uma chuva de reações às medidas – e de todos os quadrantes. O arrendamento coercivo está no centro da polémica, tendo inclusive sido levantadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade.

Horas depois de apresentar ao país o novo pacote legislativo para a habitação, na quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023, o primeiro-ministro, António Costa, disse em entrevista ao Jornal das 8 da TVI que “não é legítimo ter as casas vazias”, recusando qualquer existência de inconstitucionalidade na regra, e referindo que “as obras coercivas estão na lei há muitos anos e nunca foram consideradas inconstitucionais".

Em entrevista ao programa da RTP, "Tudo é Economia”, a ministra da Habitação, veio reforçar as palavras de António Costa. A responsável garante que o arrendamento obrigatório de casas devolutas é constitucional e disse também que é dever dos proprietários usarem as casas. A governante salientou que se trata de um “instrumento para o momento em que alguém não quer arrendar o imóvel quando há um dever de utilização do património”, e lembrou, contudo, que o proprietário pode “simplesmente explicar que não está usado porque está a espera de licença de utilização”. A ministra frisouque “há argumentos válidos para o proprietário dizer que o vai pôr a venda ou a arrendar”.

Vários juristas contactados pelo ECO Advocatus consideram, por outro lado, que a "posse administrativa" do Estado de imóveis privados é uma "restrição ao direito de propriedade" e "claramente inconstitucional”. Para o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, ouvido pela publicação, por exemplo, “o arrendamento coercivo é uma violação do núcleo essencial da propriedade, porque corta a possibilidade de dispor e administrar o bem”, sendo uma medida “completamente arbitrária e desproporcional”. Paulo Otero, professor catedrático e constitucionalista, partilha a mesma opinião. “A obrigação de colocar casas no mercado habitacional só pode ser incentivada pelo Estado, por exemplo, através de medidas de índole fiscal, atendendo à função social da propriedade privada. Não pode, porém, ser objeto de arrendamento coercivo ou forçado. A Constituição apenas admite isso face a meios de produção ao abandono”, explica. 

Sérgio Sousa Pinto juntou-se aos que discordam da proposta do Governo, que visa o arrendamento compulsivo de casas devolutas. O comentador da CNN, e deputado do Partido Socialista, concorda que esta medida corre o risco de ser inconstitucional.

Posse administrativa de casas na Europa

A posse administrativa de casas é uma realidade em vários países europeus, de que são exemplo a Dinamarca ou os Países Baixos. As medidas desta natureza existem e este tipo de práticas são permitidas, tal como explica o jornal Público:

  • Na Dinamarca, quando uma casa fica vazia por um período superior a seis meses, o município onde essa casa se localiza tem o poder de forçar os proprietários a colocar o imóvel no mercado de arrendamento;
  • Nos Países Baixos, proprietários são obrigados a comunicar às autoridades municipais sempre que um imóvel residencial fica vazio, sendo que as regras e prazos variam de cidade para cidade. Em Amesterdão a lei não permite que uma casa fique vazia por mais de dois meses;
  • No Reino Unido,  autoridades locais podem tomar a propriedade de uma casa que esteja vazia há, pelo menos, seis meses.

 

FONTE: https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2023/02/23/56838-casas-vazias-e-casas-devolutas-afinal-o-que-esta-em-causa

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